Os blocos de sujos figuram como uma marca significativa do carnaval cearense, onde destacam-se o espírito de molecagem e a capacidade de improvisação do nosso povo em sua construção identitária. Neste sentido, o carnaval vem resistindo - em meio à uniformização dos processos ilimitados da chamada globalização – a bordo dos blocos de sujos que preservam o nosso diferencial cultural, o “plus” no cenário carnavalesco nacional, o que faz o carnaval cearense ter verdade, mesmo em meio a um mar de carências e singelezas.
Na perspectiva do saudoso escritor Alberto Galeno, os “sujos” derivam dos “papangus” mascarados, que dos primórdios do século XX resistiram até os anos quarenta. Neste sentido, Galeno ressalta o caráter contestatório, permeado de crítica social plena de ironia aos poderes constituídos, que os “sujos” tão bem expressam ao longo da história de vida do povo cearense.
A artista plástica naïve Carmelita Fontenelle, relembra, com doce saudade, os sujos dos anos quarenta e cinqüenta do século passado, quando o coronel Saldanha (Polícia Militar do Ceará), com toda a família – esposa e muitos filhos - fantasiavam-se de cangaceiros (Lampiões e Marias-Bonitas) e adentravam à avenida Dom Manoel no período momino ao som de uma bandinha improvisada. Eis o respeitável homem da ordem, travestido de “fora da lei”, pelo milagre do carnaval, que permitia - já àquela época - um momento de transgressão.
Cláudio Correia, animador cultural, ressalta o lirismo dos “sujos”, onde o povo solta a razão e a emoção nem sempre respeitadas. Deste modo, Correia evoca em sua memórias dos anos sessenta do século passado, o carnavalesco Airtinho, o qual travestia-se de personagens femininas de grande vulto no eixo Rio-São Paulo. Correia relembra ainda o grupo de “sujos” que denominava-se “As dez mais elegantes”, ou seja, um bloco formado de rapazes e senhores conceituados na sociedade fortalezense que parodiavam o “high society” da época.
Portanto, os diferentes aspectos lembrados do carnaval cearense a bordo dos olhares de expressivos artistas – formadores de opinião - nos conduzem, por certo, a considerar os “sujos” como uma marca da molecagem que tão bem configura o perfil bem-humorado do cidadão cearense.
Feliz Carnaval!
(Artigo de autoria do poeta Antônio Diogo Fontenelle de Lima, transcrito do JPA - edição de fevereiro)
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